segunda-feira, 30 de julho de 2012

Milton Friedman: um agradecimento pessoal




To Janet and David [filhos de Milton Friedman] and their contemporaries who must carry the torch of liberty on its next lap  -   Dedicatória do livro Capitalismo e Liberdade


Nesta terça-feira, dia 31 de julho de 2012, são comemorados os 100 anos do nascimento do economista Milton Friedman. Friedman foi o vencedor do prêmio Nobel de economia de 1976, e um dos economistas mais importantes do século XX. Dado o nome deste blog, que evidencia a minha preferência pela escola austríaca e sua visão sobre o mercado como um processo e um espaço social, e a economia caracterizada pela sua heterogeneidade, e contra o equilíbrio geral e a macroeconomia, é plausível supor que eu não concorde muito com as idéias econômicas de Friedman, o que é quase verdade. Mesmo assim, Milton Friedman ainda é o meu economista favorito, aquele que eu utilizo como modelo do que eu gostaria de ser, e teve um papel muito importante na minha vida.

Conheci o trabalho de Friedman em 2009, quando ele infelizmente já havia nos deixado. Neste ano eu passava por um período complicado, quando ainda estava cursando engenharia, entretanto certo de que não queria ser um engenheiro. Apesar de estar certo que queria abandonar o curso, eu não conseguia enxergar nenhuma alternativa para o meu futuro. Buscando encontrar algo que eu realmente gostasse, freqüentei diversos cursos neste período, em áreas variadas. Um deles foi um debate sobre a crise que havia ocorrido há pouco, onde foi mencionada a explicação monetarista, que entre as explicações apresentadas no momento me pareceu a mais plausível.

Com isso, busquei algum livro de Milton Friedman para ler, e encontrei Capitalismo e Liberdade em um sebo. Este é o livro que mudou a minha vida, e que sempre que alguém me pede alguma indicação de leitura sobre economia eu o indico. Capitalismo e Liberdade é um livro capaz de lhe persuadir a cada página, e foi exatamente isto que aconteceu comigo. Antes de ler o livro, eu era apenas um leigo em economia, e na esquerda do espectro político. Após o livro, eu já era um liberal. Friedman conseguiu me persuadir de suas idéias não obstante toda a resistência que eu tinha a elas. Lembro-me como eu me revoltava toda vez que eu começava a ler um argumento, a favor do fim do salário mínimo, ou a favor do fim da educação pública, e tantos outros argumentos chocantes para um leigo de esquerda, e como mesmo assim logo ao fim do capítulo eu estava totalmente convencido de que Friedman estava certo.

Capitalismo e Liberdade não me transformou apenas em um liberal, mas também em um economista. Ali encontrei imediatamente o que eu queria ser. Depois de ler o livro, eu não tinha dúvidas de que eu deveria estar em um curso de economia, e desde que me transferi para o instituto de economia em nenhum momento esta dúvida surgiu. Se antes de ler Capitalismo e Liberdade nenhum curso da universidade me agradava, hoje eu pretendo continuar na universidade como pesquisador e professor, quem sabe até os 94 anos como Friedman.

A partir deste livro, busquei o Instituto Liberal no Rio, e foi lá onde encontrei as idéias de Mises e Hayek que acabei preferindo ao monetarismo de Friedman. Portanto, mesmo o fato de eu me considerar hoje um “economista austríaco” é graças a Milton Friedman. Assim que eu descobri Mises e Hayek, descartei completamente as idéias de Friedman, mas com a progressão dos meus estudos acabei percebendo que aqueles argumentos que eu lia anteriormente eram muito mais sofisticados do que eu poderia entender, e com certeza são ainda mais sofisticados do que eu posso compreender agora. Hoje já não descarto completamente as idéias de Milton Friedman, e diria até que prefiro suas teorias monetárias a de alguns austríacos, como Rothbard e autores que defendem 100% de reservas de ouro. Mas a lição mais importante que aprendi neste caso foi a da necessidade de manter sempre uma humildade quanto a grandes autores como Friedman, pois os argumentos são sempre mais sofisticados do que se possa imaginar.

A principal qualidade de Milton Friedman é sua capacidade de retórica, e é onde eu mais me espelho nele – costumo dizer que estaria realizado se algum dia obtivesse 10% de sua capacidade retórica. Ver ou ler Friedman argumentar é sempre fantástico, e é impressionante como ele é capaz de convencer pessoas. Ele jamais subestima o outro lado, não os trata como pessoas estúpidas, nem releva os argumentos contrários, repetindo sempre a mesma coisa. Ele se preocupa realmente em estabelecer uma conversa, um canal de troca de idéias, onde ele possa mudar a pessoa do outro lado, e onde ele possa mudar ao ouvir o outro lado também. Tampouco ele tem medo de enfrentar audiências hostis ao seu pensamento, algo que ele fez diversas vezes e pode ser visto em diversos vídeos na internet. E ele jamais perde o bom humor e a boa vontade ao responder todas as perguntas e críticas – por mais descabidas que elas sejam. E dado o profundo respeito que Friedman sempre dispensou aos seus adversários, poucas coisas me deixam mais irritado do que os constantes ad hominem descabidos contra Friedman, como os feitos por Naomi Klein mais recentemente.

Friedman é um modelo para mim, porque não só ele é um dos economistas mais inteligentes que já existiram, e um dos poucos que pode dizer que revolucionou a profissão, mas também é um dos intelectuais mais claros e concisos, além de um dos mais humildes e tolerantes. Mais que isso, Milton Friedman me deu uma identidade quando eu mais precisava, e toda a carreira que eu pretendo construir é devida a ele. Não existe nenhuma maneira de agradecer alguém por tudo isso, e um post em um blog definitivamente não é o suficiente. O que eu faço para retribuir é tentar ser um dos que carregam a tocha da liberdade na próxima volta. Desta maneira, sinto pelo menos que o livro que mudou a minha vida também foi dedicado para mim.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Mises: feminista?


Segue abaixo alguns trechos do livro Socialism (publicado em 1922, o que é importante ressaltar), onde Mises argumenta que a sociedade de mercado pode trazer igualdade para as mulheres nas relações com os homens, ao substituir a força pelo contrato voluntário nas relações interpessoais:


Unlimited rule of the male characterizes family relations where the principle of violence dominates. Male aggressiveness, which is implicit in the very nature of sexual relations, is here carried to the extreme. The man seizes possession of the woman and holds this sexual object in the same sense in which he has other goods of the outer world. Here woman becomes completely a thing. She is stolen and bought; she is given away, sold away, ordered away; in short, she is like a slave in the house. During life the man is her judge; when he dies she is buried in his grave along with his other possessions. With almost absolute unanimity the older legal sources of almost every nation show that this was once the lawful state of affairs.

(…)
Nowadays only one opinion is expressed about the influence which the "economic" has exercised on sexual relations; it is said to have been thoroughly bad. The original natural purity of sexual intercourse has, according to this view, been tainted by the interference of economic factors. In no field of human life has the progress of culture and the increase of wealth had a more pernicious effect. Prehistoric men and women paired in purest love; in the pre-capitalist age, marriage and family life were simple and natural, but Capitalism brought money marriages and mariages des convenances on the one hand, prostitution and sexual excesses on the other. More recent historical and ethnographic research has demonstrated the fallacy of this argument and has given us another view of sexual life in primitive times and of primitive races. Modern literature has revealed how far from the realities of rural life was our conception, even only a short while ago, of the simple morals of the countryman. But the old prejudices were too deep-rooted to have been seriously shaken by this. Besides, socialistic literature, with the assistance of its peculiarly impressive rhetoric, sought to popularize the legend by giving it a new pathos. Thus today few people do not believe that the modern view of marriage as a contract is an insult to the essential spirit of sexual union and that it was Capitalism which destroyed the purity of family life.

(…)
Where the principle of violence dominates, polygamy is universal. Each man has as many wives as he can defend. Wives are a form of property, of which it is always better to have more than few. A man endeavours to own more wives, just as he endeavours to own more slaves or cows; his moral attitude is the same, in fact, for slaves, cows, and wives. 

(…)
In order to protect legally the property of wives and their children a sharp line is drawn between legitimate and illegitimate connection and succession. The relation of husband and wife is acknowledged as a contract. As the idea of contract enters the Law of Marriage, it breaks the rule of the male, and makes the wife a partner with equal rights. From a one-sided relationship resting on force, marriage thus becomes a mutual agreement.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

A equivocada retórica dos mercados eficientes








Um argumento popular entre libertários ao defender o livre mercado, especialmente entre economistas libertários, é o argumento da maior eficiência que o livre mercado gera na alocação dos recursos escassos. A burocracia do governo é altamente ineficiente, enquanto o mercado é dinâmico e racional. A ação governamental gera deadweight losses no mercado - algumas contas no quadro negro e isso pode ser até provado matematicamente, diria o economista. Em uma versão mais sofisticada, o governo não possui todas as informações necessárias para calcular a alocação ótima, pois para tal cálculo são necessários preços formados em um mercado livre de interferências. Tudo bem, tais afirmações não estão erradas. Entretanto eu quero argumentar aqui que o uso deste tipo de retórica para defender a liberalização dos mercados não é a mais adequada, por dois motivos (i) o mercado livre também não é TÃO eficiente assim, e (ii) a eficiência é apenas uma qualidade secundária do simples e óbvio sistema de liberdade natural.

Focar no argumento de que o mercado traz sempre um resultado ótimo não é a melhor ideia. Assim como qualquer estudante de economia é capaz de provar no quadro-negro que toda interferência governamental gera deadweight losses, qualquer um também é capaz de provar como a competição imperfeita gera resultados que não são ótimos. As únicas saídas possíveis neste caso são (i) tentar defender as irrealistas hipóteses de competição perfeita, (ii) aceitar que o mercado não é perfeitamente eficiente, ou que (iii) o ótimo walrasiano é completamente irrelevante para uma análise normativa da economia. Eu tendo a defender os últimos dois pontos.

Sim, o mercado não é perfeitamente eficiente, o que não é nenhum problema. Errare humanum est. O que diferencia a cooperação via mercado da cooperação política ou de outro gênero é que a primeira nos dá o feedback necessário para que possamos aprender com os erros. O argumento da eficiência ofusca uma das principais qualidades do mercado, que é a capacidade evolutiva. O mercado é uma boa forma de cooperação não porque os agentes tomam decisões maximizadoras ótimas, mas sim porque ele é uma instituição que nos entrega informações precisas com as quais podemos descobrir se acertamos ou erramos em nossas decisões.

Admitir que o mercado não é perfeitamente eficiente não é, portanto, um grande problema. Admitir isto não abre uma janela para o tipo de argumento de que é possível tentar melhorar a performance do mercado em busca de um ótimo walrasiano. Tentar buscar um ótimo walrasiano no mundo real é cometer a falácia (conforme notou o economista Fritz Machlup) da misplaced concretness. O ponto maximizador de utilidade é apenas uma abstração inatingível e inexistente.

Mas o ponto de equilíbrio ótimo não só é uma ficção inatingível, mas também é uma ficção indesejada. As hipóteses da competição perfeita são paralisantes: informação perfeita, produtos homogêneos, firmas irrelevantes, inexistência de lucros. No ponto de equilíbrio todas as trocas já foram realizadas, e portanto o mercado sequer é necessário (quer algo mais socialista do que isso? O caminho da revolução é a competição perfeita). O equilíbrio é um ponto estacionário, onde faltam as duas características mais importantes do sistema de livre mercado: o empreendedor e a inovação produzida por ele.

Economicamente, a grande vantagem do livre mercado não é sua capacidade de alocar recursos eficientemente. É sua capacidade de gerar inovações constantemente, quebrando paradigmas e gerando riqueza. O mundo moderno não foi gerado por alocações ótimas de recursos, mas por empreendedores e inventores que “deram os primeiros passos por novas estradas, armados com nada além de sua própria visão”, conforme Ayn Rand notou muito bem. A eficiência alocativa também é uma qualidade do livre mercado, ok, mas relativamente esta vantagem é muito menor do que a capacidade evolutiva única do mercado. Podemos pensar nisso como um exercício de vantagens comparativas (via Ricardo). O capitalismo é superior aos outros sistemas tanto por sua eficiência quanto pela sua capacidade de inovar; entretanto devemos nos especializar no argumento daquilo que possuímos maior vantagem comparativa, que é a inovação.

Então em termos puramente econômicos, já argumentei que a eficiência não é a principal qualidade do sistema de livre mercado. Mas se expandirmos ainda mais o escopo de nossa retórica, a eficiência se torna ainda mais irrelevante frente às outras qualidades do livre mercado. Seguindo Deirdre McCloskey, a prudência está longe de ser a principal virtude do capitalismo. Outras frentes muito menos exploradas, mas entretanto muito mais relevantes do que a simples eficiência são, por exemplo, a superioridade do capitalismo em prover igualdade, dignidade, e especialmente riqueza material aos menos favorecidos.

Defender o capitalismo por sua eficiência é defendê-lo usando uma de suas qualidades menos atrativas. Dentro do próprio escopo da economia é possível encontrar argumentos melhores do que a alocação ótima de recursos, e, se expandirmos o nosso escopo para as outras seis virtudes burguesas (temperança, justiça, coragem, esperança, amor e fé), é possível encontrar infinitos argumentos superiores ao argumento da eficiência. Paradoxalmente, o argumento da eficiência é ineficiente, pois não aloca de maneira ótima as melhores qualidades do capitalismo dentro da retórica.