domingo, 4 de agosto de 2013

Maranhão 66

O quase-falecimento do ex-presidente José Sarney me fez lembrar um dos meus filmes favoritos; o curta-metragem do diretor Glauber Rocha, Maranhão 66. O filme foi encomendado em 1966 pelo próprio José Sarney, na época um político novo do Maranhão que estava assumindo pela primeira vez a vaga de governador do estado.



Enquanto Sarney destila um discurso digno da sua futura condição de Imortal da ABL, a câmera de Glauber Rocha filma a realidade maranhense, que não mudou muito desde então, e o filme é carregado por uma ironia deliciosa, apesar de triste. Mas se em 1966 este curta já era excelente, o tempo transformou o filme em uma das melhores aulas sobre política, história e arte que se pode obter em 10 minutos.

Antes de Sarney, o Maranhão era governado por uma oligarquia liderada por Vitorino Freire, e a eleição do jovem político representava a esperança de mudança para o estado. Todas as palavras ditas pelo governador no discurso hoje soam altamente hipócritas, mas em 66 eram consideradas autênticas, provavelmente pelo próprio Sarney inclusive. São apenas 10 minutos, mas existem muitos pontos altos no filme. Aqui eu vou destacar apenas um.

"O Maranhão não quer a desonestidade no Governo e a corrupção nas repartições e nos despachos!". Anuncia Sarney seguido por muitos aplausos. Como sou um entusiasta da avaliação da política com o método da economia, acredito que políticos ofertam seus discursos de acordo com a demanda de seus eleitores. Isso quer dizer que o mesmo sentimento "fora corruptos" que hoje crucifica Sarney, foi um dos motivos que o levaram ao seu primeiro cargo de governador, quase 50 anos atrás.

Essa é uma das principais lições sobre política que esse curta oferece. No Brasil existe ainda uma cultura personalista da política; uma ideia de que se colocarmos as pessoas certas no poder as coisas irão dar certo. Foi esse sentimento que colocou Sarney no poder em 66, Collor em 90, Lula em 03, e provavelmente será o sentimento que irá eleger um sucessor do PT sabe-se lá quando. Certos políticos como Marina Silva, Marcelo Freixo, Fernando Gabeira - e antigamente Lula e os políticos do PT -  ganham muitos dos seus votos pela sua fama de "honestos". O que esse vídeo pode ensinar é que o personalismo não funciona na política. Como Lord Acton ensinou, não existe poder sem corrupção. E corrupção sem poder é inofensiva.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Qual a função do empreendedor? Uma pesquisa na literatura do pensamento econômico


Introdução


O ator central na história do desenvolvimento do sistema empresarial capitalista é o empresário. Para compreender bem como funcionam as firmas, como elas são criadas, como funcionam, como se desenvolvem e como vão a falência, é essencial compreender a função exercida pelo empresário na economia. Entretanto, um estudo dos modelos formais da firma na microeconomia tradicional não nos oferece muitos insights sobre esta questão. Não é difícil explicar o porquê da ausência do empreendedor nestes modelos.

Consideremos a natureza do modelo da firma. Nele, o agente precisa escolher entre valores alternativos dentre um número pequeno de variáveis bem definidas. Ao fazer isso, a firma busca maximizar a diferença entre a sua receita e seus custos, que podem ser definidos matematicamente por meio de funções conhecidas. Os modelos formais são em essência um instrumento de análise de otimização de problemas bem definidos, e são exatamente estes tipos de problemas que não requerem um empreendedor para a sua solução (Baumol, 1968). O agente que resolve este tipo de problema é o que Kirzner chamou de “maximizador Robbinsiano”, mais um "lightning calculator of pleasures and pains” vebleniano do que um empresário tomador de decisões.

Neste trabalho, o proposto é fazer uma rápida revisão da literatura econômica que versa sobre o papel do empreendedor em um sistema econômico, de forma a aprimorar a interpretação histórica do desenvolvimento das firmas.


1 – O empreendedor como quem assume os riscos associados a incerteza

A centralidade da função empresarial para o funcionamento de uma economia de mercado foi identificado inicialmente por Richard Cantillon. Pouco se sabe sobre a biografia de Cantillon, mas é conhecido que o autor fez uma fortuna através de especulação financeira ao conseguir se aproveitar da Mississippi Bubble criada por John Law, liquidando suas ações da Mississippi Company antes que a bolha estourasse (Hébert & Link, 2006). Tendo o próprio feito sua fortuna pela existência de informação imperfeita dos agentes, seria surpreendente se Cantillon ignorasse a incerteza e o risco ao escrever seu Essai sur la nature du commerce en général.

Para Cantillon, o empresário é o agente que recebe sua remuneração pela sua tarefa de enfrentar a incerteza difusa no mercado (Hayek, 1985). Os lucros empresariais são consequência de bons prognósticos das condições futuras de demanda. Dessa forma, Cantillon classifica dois tipos de classe: os “contratados”, ou seja trabalhadores, ou proprietários, que recebem uma remuneração fixa, i.e. Salários e aluguéis; e a classe “empresária”, que recebe uma remuneração variável, os lucros empresariais, que “vivem pela incerteza”. (Cantillon, 1959)

Um dos principais economistas a seguir este tipo de abordagem foi Frank Knight. Em Risk, Uncertainty and Profit, Knight define risco e incerteza de forma diferente – o risco é algo mensurável, isto é, é possível estimar uma probabilidade objetiva de que um dado evento ocorrerá. O risco, portanto, pode ser transferido do empresário para outras partes, através de contratos de seguros, por exemplo. Ou seja, o risco não é algo inerente a atividade empresarial, ao contrário da incerteza, que é caracterizada por sua imensurabilidade. Uma aposta no resultado de um lançamento de um dado honesto é um exemplo claro de risco; uma aposta nas futuras condições de demanda é um exemplo de incerteza.
Esta diferenciação se desdobra em uma interpretação um pouco mais refinada do que a de Cantillon em como a incerteza é a geradora dos lucros empresariais. Um risco não é um determinante de um lucro (ou perda) empresarial, já que ele pode ser eliminado através de contratos de seguro. A incerteza, entretanto, não pode ser eliminada da atividade empresarial, e é ela quem determina os lucros e perdas advindas deste tipo de atividade. Nesse sentido, Knight segue Cantillon ao dividir os tipos de rendimentos em dois:

The produce of society is similarly divided into two kinds of income, and two only, contractual income, which is essentially rent, as economic theory has described incomes, and residual income or profit.”(Knight, 1921)

Essa divisão na teoria da distribuição de Cantillon e Knight cria uma distinção inexistente na teoria clássica da distribuição, onde não existe uma diferença clara entre os ganhos dos capitalistas e dos empresários. Karl Marx reconhece a existência da mais-valia extraordinária, que seria análoga aos lucros empresariais advindos da inovação (que serão discutidos mais a frente); entretanto este tipo de mais-valia em essência é semelhante aos ganhos normais dos capitalistas. Na visão knightiana existe uma diferença fundamental entre os ganhos do capital e os ganhos relativos a boas previsões empresariais.

Knight vai além do campo da economia ao propor uma análise social pela relação do empreendedor e da incerteza. A sociedade, para Knight, pode ser classificada como uma “organização empresarial”, dado que todos precisam enfrentar a incerteza de alguma forma. A atividade empresarial na sociedade “knightiana” é portanto essencial. O empresário surge então como um agente especializado neste tipo de atividade, por um princípio smithiano de divisão do trabalho, de modo que os outros indivíduos possam viver em meio a menos incerteza (Hébert & Link, 2006)

Essa visão de que todo indivíduo atua de certa maneira como um empreendedor também é desenvolvida pelo economista austríaco Ludwig von Mises. Entender a ação empresarial como a ação frente a existência de incerteza para Mises acaba implicando que de certa forma toda ação é empreendedora. Como toda ação humana está necessariamente inserida no fluxo do tempo, e por isso é em essência especulativa, agir como um empreendedor, ou seja assumir riscos associados à incerteza, torna-se o mesmo que agir. Por este motivo, Mises escreve que o “lucro, no sentido mais amplo, é o ganho decorrente da ação” (Mises, 2010).

Apesar de toda ação ter em sua essência um lado empresarial, Mises argumenta que no âmbito econômico, “(...)empresário significa homem agente com relação às mudanças que ocorrem nos dados do mercado” e que “a função específica do empresário é determinar a maneira pela qual devem ser empregados os fatores de produção”. Por sua vez, “o lucro e a perda empresarial derivam, em última análise, da incerteza quanto à futura composição da oferta e da procura”(Ibid.).



2 – O empreendedor como um tomador de decisões e organizador da produção


A capacidade de lidar com a incerteza pode ser vista mais como uma função abstrata do empreendedor. No entanto, para uma boa análise histórica também é necessário compreender as características particulares do empresário real. Existe uma diferença importante nas capacidades necessárias para ser um “maximizador Robbinsiano” e um empresário real. A principal qualidade do primeiro é a habilidade em fazer cálculos – dadas as preferências e as restrições as quais o agente está submetido, o trabalho do maximizador é apenas fazer um cálculo para encontrar a solução ótima. Um empresário que, por definição, precisa enfrentar uma situação de incerteza não mensurável não sabe exatamente qual será o resultado de cada uma das alternativas expostas, e por isso não pode fazer um cálculo da utilidade ótima associada a sua escolha. Ele precisa tomar uma decisão. Uma decisão não existe se uma das alternativas é sem dúvidas melhor do que as outras, como no cálculo de maximização do lucro da firma, na teoria tradicional. A capacidade de tomar boas decisões é, portanto, uma qualidade essencial a um empresário propriamente dito.

O empreendedor como tomador de decisões possui um papel central na teoria macroeconômica de John Maynard Keynes. As decisões de investimento e produção são centrais para a estabilidade do sistema econômico. Com base no princípio da demanda efetiva, Keynes argumenta que as únicas váriaveis autônomas em uma economia capitalista são variáveis de gasto, e por isso a renda é sempre definida a posteriori a partir das decisões de consumo e de investimento. O comportamento dos empresários é um dos mais importantes determinantes da estabilidade macroeconômica de uma economia.

Ao mesmo tempo, as decisões de investimento tomadas pelo empresário keynesiano dependem da curva da eficiência marginal do capital, que por sua vez depende da renda esperada do ativo, um fator subjetivo que é derivado do “estado da expectativa a longo prazo” (Keynes, 1985). Ou seja, não existe um determinante objetivo de que os empresários tomarão as decisões corretas que permitam um crescimento estável da economia. Uma das causas para a instabilidade inerente do sistema capitalista é derivada do modo como os empresários fazem suas decisões. Nas palavras de Keynes:

(...)a instabilidade econômica encontra outra causa, inerente à natureza humana, no fato de que grande parte das nossas atividades positivas depende mais do otimismo espontâneo do que de uma expectativa matemática(...). Provavelmente a maior parte das nossas decisões de fazer algo positivo, cujo efeito final necessita de certo prazo para se produzir, deva ser considerada como manifestação do nosso entusiasmo (can only be taken as a result of animal spirits) – como um instinto espontâneo de agir, em vez de não fazer nada -, e não como resultado de uma média ponderada de lucros quantitativos multiplicados pelas probabilidades quantitativas.” (Ibid.)

Alfred Marshall, professor de Keynes em Cambridge, caracterizou as características que consistiriam na genialidade de um empresário como a manutenção de um estado de alerta (alertness), habilidade de coordenar, inovar e vontade de enfrentar riscos. Estas habilidades não seriam possíveis de aprender via uma educação formal, mas sim habilidades adquiridas pela experiência (Hébert & Link, 2006) – o que lembra o conceito de “conhecimento tácito” desenvolvido posteriormente por Michael Polanyi.

Marshall via uma categoria adicional aos três fatores de produção da economia clássica (trabalho, capital e terra), a organização necessária para coordenar todos estes três fatores, que seria exercida pelo empresário. Dentro das firmas, a organização se consolida na hieraquia empresarial e na divisão do trabalho no interior da empresa (Kerstenetzky, 2004). O empresário marshalliano aparece como um administrador de negócios ou líder industrial.

Um importante autor a unir as ideias do empreendedor como um tomador de decisões e como um agente que precisa enfrentar a incerteza do mercado foi o economista G.L.S. Shackle. Para ele, as duas questões estão ligadas fortemente, porque a tomada de decisões involve improvisações e invenções, ações que só seriam possíveis em um mundo de desconhecimento e incerteza (Hébert & Link, 2006). Shackle foi um crítico do mainstream pelo o que ele via como uma negligência em relação a maior contribuição de Marshall para a economia, que teria sido colocar o tempo no centro do problema econômico. E o tempo se desenrolaria em um processo histórico determinado pelas decisões tomadas pelos agentes no presente. De certa forma, então, quem faz a história para Shackle são os empreendedores, que são os tomadores de decisões.



3 – O empresário e o conhecimento: inovação e descoberta (Schumpeter X Kirzner)

Até aqui ficou estabelecido que o empresário é um agente que toma decisões entre possíveis alternativas sobre a produção e cujos resultados não são previamente conhecidos devido a existência de incerteza (e não risco) no sistema econômico. Convém perguntar como estas alternativas se apresentam ao empresário, isto é, como o empresário adquire e usa o conhecimento. Em um modelo que traz a hipótese de informação perfeita, por exemplo, todas as informações estão disponíveis ao agente, ele apenas precisa escolher um dos caminhos alternativos. Esta hipótese pode ser útil para a construção de diversos modelos, mas é irrelevante para uma análise histórica das firmas e dos empresários. Mais relevante é entender como o empresário pode produzir informações não conhecidas previamente. Nesse sentido, é possível identificar duas maneiras diferentes do empresário fornecer novas informações: a inovação e a descoberta.

Para deixar mais claro os dois conceitos, é preciso notar que existe uma sutil diferença entre o que pode ser chamado de inovação e descoberta. A inovação é caracterizada pela construção de uma nova alternativa que não estava disponível anteriormente. A descoberta é a percepção da existência de um caminho que já existia, mas que ainda não havia sido explorado. Para ilustrar essas duas possibilidades empresariais, analisemos de forma breve o trabalho de dois autores: Joseph Schumpeter e Israel Kirzner.

A teoria Schumpeteriana sobre o empreendedor e sua atuação na transformação do sistema capitalista foi bastante influenciada por Marx, Weber, e pelos austríacos (Menger, Wieser, Bohm-Bawerk) (Ibid.). Schumpeter parte de uma análise de um sistema que se auto-reproduz, em um fluxo circular. Neste sistema não ocorrem mudanças, e todos os produtos produzidos são consumidos no próximo período, e assim sucessivamente.

Entretanto, o problema central da economia não é entender “como o capitalismo administra a estrutura existente, ao passo que o problema crucial é saber como ele as cria e destrói” (Schumpeter, 1961). O agente que impulsiona a “creative destruction” capitalista é o empresário ao introduzir inovações capazes de evoluir as instituições prévias do mercado.

As inovações realizadas pela atividade empreendedora podem ser vistos como a criação de um novo produto ou aumento na qualidade de um produto, a criação de um novo método de produção, a abertura de um novo mercado, a captura de uma nova fonte de recursos e uma nova organização industrial, por exemplo a criação ou a destruição de um monopólio (Hébert & Link, 2006). Com o tempo a mudança gerada se dispersa pelo sistema e existe uma tendência a uma volta ao “fluxo circular”. Para Schumpeter, entretanto, o empresário mais importante é aquele que quebra os paradigmas e desequilibra o sistema econômico, e não o contrário. O desenvolvimento econômico ocorre através destas inovações introduzidas pelos empresários schumpeterianos.

Algo importante a se compreender da teoria schumpeteriana de inovação é sobre a diferença entre esta e o conceito de invenção. Para Schumpeter, uma inovação não necessariamente representa um aumento no conhecimento científico da sociedade, assim como um aumento no conhecimento científico não representa necessariamente uma inovação. Uma inovação representa uma nova solução bem sucedida para um problema, ao colocar em prática um método ainda não tentado antes. Desta maneira, o processo de inovar não é um processo intelectual, no sentido científico, mas sim um processo de liderança e tomada de decisões.

Analisemos agora a ideia do empreendedor como um agente de descoberta, através do trabalho de Israel Kirzner:

A teoria de Kirzner foi bastante influenciada por dois autores – por um lado a visão do mercado como um processo empresarial de Ludwig von Mises, e por outro a ideia da competição como um processo de descoberta de Friedrich Hayek. O ponto de partida da análise Kirzneriana é oposta a de Schumpeter. Enquanto este parte de uma economia de fluxo circular para depois introduzir o empresário como fator desequilibrador, Kirzner parte do suposto de que não existe necessariamente uma economia equilibrada como base. Uma das perguntas que Kirzner deseja responder ao analisar o papel do empresário é exatamente como podem existir algum padrão numa economia onde teoricamente cada agente pode fazer o que quiser. O empresário kirzneriano atua em um papel oposto ao empresário schumpeteriano; enquanto este é um promotor de desequilíbrio em uma economia estável, o primeiro é um promotor de equilíbrio em um ambiente instável (Vaughn, 1994).

O empresário também existe como consequência da informação imperfeita nos mercados, entretanto Kirzner não está preocupado em explicar o empresário como um agente frente a incerteza, mas sim como um agente que obtém seus ganhos pela arbitragem. Existem oportunidades de lucro disponíveis, porém não percebidas, o tempo inteiro na economia, pelo próprio fato desta economia não estar operando em equilíbrio, e o empreendedor atua “descobrindo” essas oportunidades. O lucro empresarial é um lucro de arbitragem (Kirzner, 2012).

As teorias de Schumpeter e de Kirzner de forma nenhuma são incompatíveis. É possível encontrar elementos “schumpeterianos” no trabalho de Kirzner, e também elementos “kirznerianos” em Schumpeter. As ideias de inovação e descoberta são parecidas, e o que as difere é basicamente a visão inicial do funcionamento do mercado de cada um dos autores.



Conclusão

As visões apresentadas rapidamente neste trabalho não são mutuamente excludentes. É possível enxergar elementos da teoria de cada um dos autores em diferentes momentos históricos e presentes em casos empresariais distintos. Conhecer um arcabouço teórico plural sobre um tema apenas enriquece a interpretação histórica sobre este tema, e é por este motivo que este trabalho (e um estudo da história do pensamento econômico em geral) se justifica.

Bibliografia

BAUMOL,W. Entrepreneurship in Economic Theory. The American Economic Review, vol.58,n2, 1968.

CANTILLON, R. Essai sur la Nature du Commerce em General, edited with an English translation and other material by Henry Higgs, C.B. Reissued for The Royal Economic Society by Frank Cass and Co., LTD, London, 1959

HAYEK, F.A. Richard Cantillon” Traduzido por: Micheál Ó Súilleabháin, Journal of Libertarian Studies, vol. VII, No. 2, 1985.

HÉBERT, R & LINK, A. Historical Perspectives on the Entrepreneur. Foundations and Trends in Entrepreneurship, vol.2, nº4, 2006

KERSTENETZKY,J. Organização Empresarial em Alfred Marshall. Estudos Econômicos, São Paulo, v.34, n.2, 2004.

KEYNES,J.M. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Abril Cultural,2ed, São Paulo, 1985.

KIRZNER, I. Competição e atividade empresarial. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2012.

___________, Entrepreneurial Discovery and the Competitive Market Process: An Austrian Approach. Journal of Economic Literature, vol.35, n.1, 1997.

KNIGHT, F. Risk, Uncertainty, and Profit. Boston MA: Hart, Schaffner and Marx; Houghton Mifflin, 1921.

MISES, L. Ação Humana. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.

SCHUMPETER, J. Capitalismo, Socialismo e Liberdade. Rio de Janeiro, Editora Fundo de Cultura, 1961.

VAUGHN, K. Austrian Economics in America: the migration of a tradition. Cambridge University Press, 1994.

VEBLEN, T. Economics and Evolution, The Place of Science in Modern Civilization, Nova Iorque, 1919.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Sobre internação compulsória, e o uso do crack e de outras drogas


If someone does something we disapprove of, we regard him as bad if we believe we can deter him from persisting in his conduct, but we regard him as mad if we believe we cannot. In either case, the crucial issue is our control of the other: the more we lose control over him, and the more he assumes control over himself, the more, in case of conflict, we are likely to consider him mad rather than just bad”

“The Nazis spoke of having a "Jewish problem." We now speak of having a drug-abuse problem. Actually, "Jewish problem" was the name the Germans gave to their persecution of the Jews; "drug-abuse problem" is the name we give to the persecution of people who use certain drugs.”
Thomas Szasz

Uma das discussões que ocorreram no início deste ano foi sobre a decisão do governo em alguns lugares de tomar medidas mais duras em relação a moradores de rua, especialmente em relação aos usuários de crack, através de um “acolhimento” compulsório. Resolvi escrever alguma coisa sobre este tema porque, lendo todo o debate que se criou, eu acabei discordando dos dois lados, tanto dos defensores quanto os que são contra a internação compulsória (curiosamente discordar de todos os lados de um debate público tem sido uma rotina para mim). Aqui vou apresentar rapidamente o que eu considero que deveria ser uma posição condizente com uma visão liberal do problema.

A discussão é dividida entre aqueles que acreditam que o Estado precisa tomar atitudes mais radicais em relação a um problema radical que é a dependência do crack, e o que justificaria a atitude coercitiva da internação é que seria melhor para os dependentes no longo prazo. O outro lado defende que a internação compulsória na verdade é uma atitude estatal equivocada, e que o problema das drogas é um problema social que merece outros tipos de políticas públicas, como inclusão social, etc.

No primeiro ponto, eu concordo com o segundo grupo: a internação compulsória é de fato uma atitude equivocada. Equivocada por dois motivos: (1) os resultados da política não irão satisfazer as intenções da política, ou seja, internar a força dependentes de crack não implica em uma redução do uso da droga. Isto pode ser constatado historicamente de forma exaustiva, haja visto todas as tentativas fracassadas de repressão às drogas. E (2) em uma sociedade realmente livre, ninguém deve ser privado de sua liberdade, a não ser que tenha privado outra pessoa de sua liberdade anteriormente (e tenha passado por um julgamento com acusação e defesa); o que é uma das crenças liberais mais importantes.

Sobre a formação das cracolândias, é possível encontrar libertários com a velha resposta pronta de que “se as ruas fossem privadas, etc”. Mas essa é uma não-solução para o problema – as ruas não são privadas e nem serão em um futuro próximo. Além disso, mesmo que elas fossem privadas, ainda seriam espaços públicos, ou não seriam ruas no sentido em questão. Respostas simples deste tipo não só não apresentam uma solução libertária razoável, como acabam por fazer outras pessoas pararem de escutar as soluções libertárias. Ainda assim, mesmo a resposta pronta da privatização como forma de solucionar qualquer problema comum não é válida aqui, afinal mesmo dentro de uma propriedade privada ninguém tem o direito de internar alguém a força. Esta é uma questão de soberania individual e não de direitos de propriedade.






Entretanto, o crack, e todas as outras drogas, não são um problema de “saúde pública”, como muitos dos que são contra a internação compulsória afirmam. O uso de drogas não é uma doença (que deveria ser combatida com outras drogas legais), mas sim um hábito social. A “dependência” como um problema de saúde não é algo objetivamente dado, mas como se define e como socialmente se aceita a utilização de uma dada substância. Mesmo os danos causados são questões subjetivas, que dependem de quanto é consumido. Na quantidade certa, qualquer substância causa danos irreversíveis, e é somente da responsabilidade do indivíduo sobre o quê e quanto consumir. E não existe nenhum critério objetivo capaz de elencar quais substâncias devem e quais não devem ser usadas.

Para alguns, a questão posta é “queremos viver em uma sociedade onde indivíduos utilizem drogas que são capazes de transformar alguém, como faz o crack?”. Esta é uma pergunta pertinente, mas que de forma alguma pode ser respondida centralmente, apenas individualmente. Cada pessoa tem uma própria visão sobre como todas as pessoas deveriam se portar, e se tal opinião for uma unanimadade, não haveria nenhum problema a ser posto inicialmente. Responder de forma central (ou seja, sugerindo algo como “o que a sociedade quer”) qualquer questão sobre como uma sociedade ideal deveria se comportar gera uma outra pergunta: “queremos viver em uma sociedade onde alguns indivíduos possuam algum controle sobre o comportamento de outros?”.

O problema de ambos os lados do debate é enxergar o Estado como a solução para a questão do crack – a discussão é somente sobre como o Estado deve abordar o problema, duro como um pai ou compreensivo como uma mãe. A questão que não é discutida é como o crack (ou qualquer outra droga) não é algo ruim em si, mas um problema criado exatamente pelo Estado na sua perseguição ao uso de certos tipos de substância. O consumo de substâncias que causam danos ou dependência são questões individuais, e não sociais. O único problema social é exatamente a caça às bruxas que é feita atrás de pessoas que consomem, produzem ou comercializam determinadas substâncias. Só existe uma conduta possível para o governo solucionar a questão das drogas, que é parar de tratá-las como um problema em si.