quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Sobre internação compulsória, e o uso do crack e de outras drogas


If someone does something we disapprove of, we regard him as bad if we believe we can deter him from persisting in his conduct, but we regard him as mad if we believe we cannot. In either case, the crucial issue is our control of the other: the more we lose control over him, and the more he assumes control over himself, the more, in case of conflict, we are likely to consider him mad rather than just bad”

“The Nazis spoke of having a "Jewish problem." We now speak of having a drug-abuse problem. Actually, "Jewish problem" was the name the Germans gave to their persecution of the Jews; "drug-abuse problem" is the name we give to the persecution of people who use certain drugs.”
Thomas Szasz

Uma das discussões que ocorreram no início deste ano foi sobre a decisão do governo em alguns lugares de tomar medidas mais duras em relação a moradores de rua, especialmente em relação aos usuários de crack, através de um “acolhimento” compulsório. Resolvi escrever alguma coisa sobre este tema porque, lendo todo o debate que se criou, eu acabei discordando dos dois lados, tanto dos defensores quanto os que são contra a internação compulsória (curiosamente discordar de todos os lados de um debate público tem sido uma rotina para mim). Aqui vou apresentar rapidamente o que eu considero que deveria ser uma posição condizente com uma visão liberal do problema.

A discussão é dividida entre aqueles que acreditam que o Estado precisa tomar atitudes mais radicais em relação a um problema radical que é a dependência do crack, e o que justificaria a atitude coercitiva da internação é que seria melhor para os dependentes no longo prazo. O outro lado defende que a internação compulsória na verdade é uma atitude estatal equivocada, e que o problema das drogas é um problema social que merece outros tipos de políticas públicas, como inclusão social, etc.

No primeiro ponto, eu concordo com o segundo grupo: a internação compulsória é de fato uma atitude equivocada. Equivocada por dois motivos: (1) os resultados da política não irão satisfazer as intenções da política, ou seja, internar a força dependentes de crack não implica em uma redução do uso da droga. Isto pode ser constatado historicamente de forma exaustiva, haja visto todas as tentativas fracassadas de repressão às drogas. E (2) em uma sociedade realmente livre, ninguém deve ser privado de sua liberdade, a não ser que tenha privado outra pessoa de sua liberdade anteriormente (e tenha passado por um julgamento com acusação e defesa); o que é uma das crenças liberais mais importantes.

Sobre a formação das cracolândias, é possível encontrar libertários com a velha resposta pronta de que “se as ruas fossem privadas, etc”. Mas essa é uma não-solução para o problema – as ruas não são privadas e nem serão em um futuro próximo. Além disso, mesmo que elas fossem privadas, ainda seriam espaços públicos, ou não seriam ruas no sentido em questão. Respostas simples deste tipo não só não apresentam uma solução libertária razoável, como acabam por fazer outras pessoas pararem de escutar as soluções libertárias. Ainda assim, mesmo a resposta pronta da privatização como forma de solucionar qualquer problema comum não é válida aqui, afinal mesmo dentro de uma propriedade privada ninguém tem o direito de internar alguém a força. Esta é uma questão de soberania individual e não de direitos de propriedade.






Entretanto, o crack, e todas as outras drogas, não são um problema de “saúde pública”, como muitos dos que são contra a internação compulsória afirmam. O uso de drogas não é uma doença (que deveria ser combatida com outras drogas legais), mas sim um hábito social. A “dependência” como um problema de saúde não é algo objetivamente dado, mas como se define e como socialmente se aceita a utilização de uma dada substância. Mesmo os danos causados são questões subjetivas, que dependem de quanto é consumido. Na quantidade certa, qualquer substância causa danos irreversíveis, e é somente da responsabilidade do indivíduo sobre o quê e quanto consumir. E não existe nenhum critério objetivo capaz de elencar quais substâncias devem e quais não devem ser usadas.

Para alguns, a questão posta é “queremos viver em uma sociedade onde indivíduos utilizem drogas que são capazes de transformar alguém, como faz o crack?”. Esta é uma pergunta pertinente, mas que de forma alguma pode ser respondida centralmente, apenas individualmente. Cada pessoa tem uma própria visão sobre como todas as pessoas deveriam se portar, e se tal opinião for uma unanimadade, não haveria nenhum problema a ser posto inicialmente. Responder de forma central (ou seja, sugerindo algo como “o que a sociedade quer”) qualquer questão sobre como uma sociedade ideal deveria se comportar gera uma outra pergunta: “queremos viver em uma sociedade onde alguns indivíduos possuam algum controle sobre o comportamento de outros?”.

O problema de ambos os lados do debate é enxergar o Estado como a solução para a questão do crack – a discussão é somente sobre como o Estado deve abordar o problema, duro como um pai ou compreensivo como uma mãe. A questão que não é discutida é como o crack (ou qualquer outra droga) não é algo ruim em si, mas um problema criado exatamente pelo Estado na sua perseguição ao uso de certos tipos de substância. O consumo de substâncias que causam danos ou dependência são questões individuais, e não sociais. O único problema social é exatamente a caça às bruxas que é feita atrás de pessoas que consomem, produzem ou comercializam determinadas substâncias. Só existe uma conduta possível para o governo solucionar a questão das drogas, que é parar de tratá-las como um problema em si.

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