quarta-feira, 25 de abril de 2012

Aldous Huxley e conhecimento tácito

Nota: Conforme eu disse no primeiro post desse blog, as pessoas reagem a incentivos e até agora os meus incentivos não foram muito propícios para escrever aqui. Mas, enfim, vou tentar outra vez.

Um conceito o qual sempre achei um pouco difícil de assimilar é a idéia de conhecimento tácito, especialmente como descrito por Michael Polanyi. A idéia do autor é que podemos saber mais do que podemos dizer - ou seja, existem certos tipos de conhecimentos que possuímos que sequer compreendemos o suficiente para explicá-los. Em Hayek, isso pode ser expresso como os conhecimentos particulares de tempo e lugar, que são informações subjetivas que são exclusivamente individuais, exatamente porque não podemos passar este tipo de conhecimento para outras pessoas tão facilmente.

Hayek vai ainda mais além ao falar sobre a pretensão do conhecimento, que poderia ampliar o conceito do Polanyi de "podemos saber mais do que podemos dizer"  para "acreditamos saber mais do que aquilo que realmente sabemos, que ainda é mais do que aquilo que nós podemos dizer que sabemos", o que deixa as coisas ainda mais confusas.

Porque estou escrevendo isso? O último livro que li foi o A Ilha (Island), do Aldous Huxley, por indicação de um amigo. Em certa parte da história (que é muito boa e vale a pena ler, especialmente pra quem já leu Admirável Mundo Novo, porque existem várias referências que só quem leu AMN vai entender), o protagonista está visitando o sistema educacional da Ilha de Pala, e quando ele entra em uma sala de aula de Filosofia Elementar Aplicada para a 5ª série (só em Pala mesmo), o professor está ensinando algo muito parecido com o conceito de conhecimento tácito, de uma maneira razoavelmente esclarecedora, apesar de um pouco modificada. Segue abaixo o trecho (ênfases minhas):

"- Os símbolos são públicos - estava dizendo um homem ainda jovem próximo ao quadro-negro, no momento em que Will e Mrs. Narayan entravam na sala. Desenhou uma série de pequenos círculos e os números: 1, 2, 3, 4 e n. "Estes números representam o povo", explicou. Depois, partindo de cada um dos pequenos círculos, desenhou uma linha que os ligava a um quadrado existente à esquerda do quadro-negro. Escreveu um "S" no centro do quadrado. "S é o sistema de símbolos que o povo usa quando quer conversar entre si. Todos falam a mesma língua: inglês, palanês, esquimó, dependendo do local onde vivem. As palavras são públicas. Pertencem a todos os que falam uma determinada língua. Estão catalogadas nos dicionários. Observemos agora o que está acontecendo lá fora". Dizendo isso, apontou para uma janela aberta (...) O professor desenhou um segundo quadrado do lado oposto do quadro, marcou-o com a letra "A" (para designar acontecimento) e ligou-o aos círculos por meio de linhas. "O que acontece lá fora é público" - disse ele. "Quando alguém fala ou escreve, isso também é público. Mas as coisas que ocorrem no interior destes pequenos círculos são individuais. Individuais".

Pondo a mão sobre o peito, repetiu: "Individual" - friccionou a testa e disse: - Individual. - Tocou as pálpebras e a ponta do nariz com o indicador - Agora vamos fazer uma experiência simples: Digam a palavra "beliscar". (...) Isso é uma palavra pública. Todos podem procurá-la no dicionário. Mas agora eu quero que vocês se belisquem. (...) Pode alguém sentir aquilo que o seu vizinho está sentindo?

(...)- Parece que houve vinte e três dores diferentes e independentes. Vinte e três somente nesta sala. Quase três milhares de milhões em todo o mundo, sem acrescentarmos as dores de todos os animais. Cada uma delas é estritamente individual. Não há nenhum modo de transferir a experiência de um centro da dor para outro. Nenhuma comunicação a não ser indiretamente através do "S"(...) Prestem atenção a isso: exige somente uma palavra pública, "dor", para designar os três milhares de milhões de experiêcias individuais, embora cada uma delas possa diferir tanto da outra quanto o meu nariz difere do de vocês (...). Uma única palavra define coisas e acontecimentos que pela sua natureza se assemelham entre si. E, sendo pública, é impossível que abranja todas as múltiplas variantes de um mesmo acontecimento."

Depois o professor conclui contando uma longa história budista sobre Mahakasyapa e o sermão da flor do Buda, uma história também iluminadora mas que não é necessário ser transcrita. É uma excelente passagem a ser citada para facilitar a explicação desse conceito - que também tem a sua parcela tácita que só pode ser compreendida individualmente, sendo impossível comunicar tudo o que forma a idéia.


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