terça-feira, 25 de outubro de 2011

Uma das minhas passagens favoritas de Ação Humana


O significado de laissez-faire

Na França no século XVIII a expressão laissez-fairelaissez-passer foi a fórmula adotada pelos defensores da causa da liberdade para condensarem a sua filosofia. Aspiravam a implantar uma sociedade de mercado não obstruído. Para poder atingir esse objetivo, propunham a abolição de todas as leis que impedissem pessoas mais esforçadas e mais eficientes de superar seus competidores menos esforçados e menos eficientes, e que impedissem a livre circulação de bens e de pessoas. Era esse o significado dessa famosa máxima.
Nessa nossa época em que prevalece uma preferência passional pela onipotência governamental, a expressão laissez-faire está desacreditada. A opinião pública a considera hoje uma manifestação de depravação moral e de suprema ignorância.
Na visão dos intervencionistas, a escolha estaria entre "forças automáticas" e "planejamento consciente". É evidente, acrescentam eles, que confiar em processos automáticos é pura estupidez. Nenhuma pessoa razoável poderia seriamente recomendar não se fazer nada e deixar as coisas seguirem seu curso sem a interferência de uma ação intencional. Um plano, pelo simples fato de apresentar um ordenamento racional, é incomparavelmente superior à ausência de qualquer planejamento. Laissez-faire, dizem eles, significa: deixem perdurar as desgraças; não tentem melhorar a sorte da humanidade por meio de ações razoáveis.
Esse argumento é inteiramente falacioso; defende o planejamento baseando-se exclusivamente numa interpretação metafórica inadmissível. Baseia-se apenas nas conotações implícitas ao termo "automático", usado habitualmente, num sentido metafórico, para explicar o funcionamento do mercado. Automático, segundo o Concise Oxford Dictionary, significa "inconsciente, ininteligente, meramente mecânico". Automático, segundo o Webster's Collegiate Dictionary, significa "não sujeito ao controle da vontade ... feito sem pensar e sem intenção ou direção consciente". Que vitória para o defensor do planejamento poder dispor desse trunfo!
Na realidade, a opção não é entre um mecanismo rígido e sem vida de um lado e o planejamento consciente do outro. A alternativa não é ter ou não ter um plano. A questão essencial é: quem deve fazer o plano? Deveria cada indivíduo planejar para si mesmo ou caberia a um governo benevolente planejar por todos? A disputa não é automatismo "versus" ação consciente; é ação individual autônoma "versus" ação exclusiva do governo. É liberdade "versus" onipotência governamental.
Laissez-faire não significa: deixem funcionar as forças mecânicas e desalmadas. Significa: deixem os indivíduos escolherem de que maneira desejam cooperar na divisão social do trabalho; deixem que os consumidores determinem o que os empresários devem produzir. Planejamento significa: deixem ao governo a tarefa de escolher e a capacidade de impor suas decisões por meio do aparato de coerção e compulsão.
No regime de laissez-faire, diz o planejador, os bens produzidos não são aqueles de que as pessoas "realmente" precisam, e sim aqueles cuja venda proporciona maiores retornos.
O objetivo do planejamento é dirigir a produção no sentido de satisfazer as "verdadeiras" necessidades. Mas quem deve decidir quais são as "verdadeiras" necessidades?
O professor Harold Laski, ex-presidente do Partido Trabalhista inglês, por exemplo, fixaria como objetivo de um plano geral de investimentos "que a poupança fosse usada para construir habitações e não cinemas". Não vem ao caso o fato de que alguém possa concordar com o ponto de vista do professor de que habitação seja mais importante do que fitas de cinema. O que importa é que os consumidores, ao gastarem diariamente uma parte do seu dinheiro adquirindo entradas de cinema, estão manifestando uma opinião diferente. Se o povo inglês, o mesmo povo que votou maciçamente no Partido Trabalhista, deixasse de frequentar os cinemas e preferisse gastar esse dinheiro em habitações melhores, a motivação pelo lucro faria com que se investisse mais na construção de casas e de apartamentos e menos em superproduções cinematográficas. No fundo, o desejo do Sr. Laski era afrontar a vontade dos consumidores, e substituí-la pela sua própria vontade. Era suprimir a democracia do mercado e arvorar-se em tzar da produção. Talvez estivesse convencido de que suas razões fossem mais elevadas e de que, como se fosse um super-homem, tivesse sido chamado para impor os seus valores à massa de seres inferiores. Mas, então, deveria ter a franqueza de reconhecê-lo claramente.
Toda essa louvação apaixonada da proeminência da ação governamental não passa de um pobre disfarce para aautodeificação do intervencionista. O grande deus Estado só é assim considerado porque se espera que faça exclusivamente aquilo que o defensor do intervencionismo gostaria que fosse feito. O único plano genuíno é aquele aprovado pessoalmente pelo próprio planejador. Todos os outros planos são meras falsificações. Ao se referir a "plano", o que o autor de um livro sobre os benefícios do planejamento tem em mente é, sem dúvida, o seu próprio plano. Não lhe ocorre a possibilidade de que o plano implementado pelo governo possa ser diferente do seu. Os vários planejadores só concordam num ponto: na sua rejeição ao laissez-faire, isto é, a que o indivíduo possa escolher e agir. O desacordo entre eles é total, quando se trata de definir o plano a ser adotado. Sempre que se lhes mostram os manifestos e incontáveis defeitos das políticas intervencionistas, reagem dizendo que essas falhas são o resultado de um intervencionismo espúrio; o que nós defendemos, dizem eles, é o bom intervencionismo e não o mau intervencionismo. E, é claro, bom intervencionismo é o preconizado por quem assim o qualifica.
Laissez-faire significa: deixem o homem comum escolher e agir; não o forcem a se submeter a um tirano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário