Uma das teses metodológicas mais citadas como fundamentais e
definidoras da escola austríaca, especialmente por economistas ligados ao Mises
Institute, é a de que as proposições da economia são verdadeiras a priori do
axioma básico da ação, e que tudo pode ser deduzido a partir desta proposição
como verdades apodíticas. Este tipo de afirmação gera diversas críticas de
economistas, principalmente dos ligados as correntes ortodoxas, de que a EA
possui um viés anti-empírico e não falseável, tornando-se assim uma
pseudociência.
Uma das melhores fontes para a compreensão desta posição é o
artigo de Murray Rothbard, “In Defense of Extreme Apriorism”. Sem entrar na
discussão sobre se este “apriorismo extremo” deve ou não ser aceito
metodologicamente, esse post visa apenas analisar se realmente este tipo de
método é algo que compõe o hardcore do programa de pesquisa identificado como
escola austríaca. Analisemos autores importantes da escola austríaca:
Primeiro, Friedrich Hayek, que com certeza não é um adepto
do apriorismo radical defendido principalmente por Rothbardianos. Hayek, pelo
contrário, talvez estivesse mais próximo da metodologia da Karl Popper do que a
da suposta metodologia austríaca definitiva. É possível argumentar que Hayek
rompeu com qualquer simpatia com o apriorismo no seu artigo Economics and
Knowledge, publicado na Economica em 1937. Neste artigo, Hayek escreve, por
exemplo:
I have long felt that the concept of
equilibrium itself and the methods which we employ in pure analysis have a
clear meaning only when confined to the analysis of the action of a single
person and that we are really passing into a different sphere and silently
introducing a new element of altogether different character when we apply it to
the explanation of the interactions of a number of different individuals.
Hayek deixa bem claro que o raciocínio puramente a priori,
algo que ele chama de “Pure Logic of Choice”, não se aplica muito bem ao
analisar ações de diversos indivíduos cujas ações tornam-se interdependentes em
uma sociedade complexa. Hayek questiona até onde realmente um raciocínio
puramente abstrato pode ser utilizado para interpretar uma realidade complexa,
e isto o distancia muito do apriorismo extremo. É possível argumentar que Hayek
era quase um Popperiano, com exceção de seu ceticismo quanto à viabilidade do
falsificacionismo em ciências “complexas” como a economia, onde as previsões tem
tão pouca força, dado o vasto leque de possibilidades que podem ser acarretadas
de uma única ação. Hayek, portanto, não era um defensor do apriorismo radical.
Se a adoção do apriorismo radical for uma condição necessária para um
economista ser um “austríaco”, logo Hayek não era um, e isto é algo que alguns
Rothbardianos certamente concordam. Mas analisemos outros dois economistas:
Menger e Mises.
Carl Menger é conhecido como fundador da escola austríaca, e
é impossível dizer que o próprio não é um “austríaco”. Menger talvez fosse mais
adepto da teoria pura e a priori (o que ele chamava de “leis exatas”) do que
Hayek, mas mesmo assim, é complicado afirmar que Menger fosse um adepto do
apriorismo radical. Primeiro, é importante sempre lembrar a ligação que Menger
possuía com a escola histórica alemã. Apesar de esta relação ser mais conhecida
pela Methodenstreit, os Princípios de Economia Política foram dedicados a
Willhem Roscher, um eminente professor da escola histórica. Menger não se via
como um inimigo dos historicistas alemães, mas alguém trabalhando dentro desta
própria tradição, melhorando-a ao adicionar algum marco analítico.
Por exemplo, uma das maiores contribuições Mengerianas a
economia, e com certeza pela qual ele é mais lembrado, é a sua descrição do
processo pelo qual surge a moeda. Apesar de ser um exercício de “armchair
reasoning”, tal processo não é algo a priori verdadeiro. Não existe uma dedução
que saia do axioma da ação para a existência de moeda. O surgimento da moeda em
uma sociedade é muito mais um argumento evolucionista do que um argumento
racionalista. O próprio Menger admitia que sua teoria do valor, ou da formação
dos preços, teria sido desenvolvida com base na experiência empírica que Menger
teria tido enquanto trabalhava como jornalista econômica. Algo muito empirista
para um “austríaco”.
Ludwig von Mises, enfim, é o mais próximo de um adepto do “apriorismo
extremo”. Mas mesmo Mises admite certos argumentos evolucionários na sua
argumentação sobre a origem de categorias apriorísticas. Além disso, é
importante notar duas coisas: 1) Mises era, antes de tudo, um Mengeriano. O que
foi dito sobre Menger é aplicável também ao trabalho de Mises. Por exemplo, nos
capítulos 14 e 15 de Ação Humana é possível identificar alguns argumentos não
derivados logicamente do axioma da ação, que possuem um viés histórico muito importante,
como por exemplo, a ideia do mercado como um processo. 2) A importância dada
por Mises ao verstehen , ou understanding.
Mises também foi muito influenciado pelo trabalho de Max Weber, cuja
metodologia era bem diferente de um apriorismo radical.
O apriorismo
metodológico, é, portanto, algo menos unânime dentro da escola austríaca do que
as vezes parece. Por exemplo, um economista como Frank Knight, sempre um
crítico da escola austríaca, está mais próximo da metodologia defendida por
Rothbard no artigo citado no início deste texto do que Hayek, por exemplo.
A pergunta que
surge então é, quais seriam as características mais importantes da escola
austríaca? Aquelas que definem o programa de pesquisa da escola como algo único
comparado a outros projetos. Esta é uma pergunta muito complicada, e que possui
uma extensa bibliografia sobre, mas eu tenderia a escolher três características
principais: Subjetivismo metodológico, reconhecimento da existência de
incerteza genuína (algo compartilhado com o programa pós-keynesiano) e, o mais
importante, a compreensão do mercado como um processo.
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