segunda-feira, 4 de junho de 2012

Por que estudar economia?




"We do not  need to understand economics in order to experience the benefits of freedom of exchange and production. But we may very well need to understand economics in order to sustain and maintain the institutional framework that enables us to realize the benefits that flow from freedom of exchange and production" - Peter Boettke



"Afinal, se o mercado consegue resolver tudo sozinho, então porque você estuda economia?". Esta é uma crítica que já escutei mais de uma vez pelas minhas defesas do livre mercado. Tal crítica possui uma lógica: se não podemos melhorar os mercados através de planos econômicos centrais, se no fim das contas tudo o que tentarmos vai acabar por piorar a situação de livre mercado, então porque perder tempo com economia? Não seria melhor se somente ignorássemos tudo isto e vivêssemos felizes para sempre confiando no mercado?

Acredito que é possível simplificar os enfoques do estudo da economia em duas correntes: a liberal e a mercantilista. A crítica acima é uma excelente demonstração do segundo enfoque. Para quê serve a economia? O mercantilista responderia: para podermos melhorar a nossa situação através do conhecimento de maneiras de melhorar o funcionamento da própria economia. Assim, é possível agir de modo a melhorar o próprio sistema de mercado e as instituições econômicas, criando um mundo mais próspero e justo.

Enquanto liberal, eu discordo completamente desta visão. E acho engraçado o fato de pessoas que concordem com este tipo de abordagem por vezes não conseguirem sequer enxergar a possibilidade de uma alternativa. A motivação deste post é exatamente dar uma resposta liberal para a pergunta central: Afinal, por que estudar economia?

Na metade do século XIX, o economista liberal francês Frédéric Bastiat escreveu sobre a Paris de sua época, onde viviam centenas de milhares de pessoas, cada uma consumindo uma grande variedade de bens, que na maioria das vezes sequer eram produzidos dentro da cidade (como alimentos). Paris dependia (e ainda depende) de um vasto influxo diário de bens - porém não havia (e ainda não há) uma única agência que planejava a entrada de todos os bens necessários. Surpreendentemente, todos os dias, todos os bens necessários chegavam à cidade, em quantidades aproximadamente corretas.

Bastiat refletiu sobre o evento escrevendo o seguinte: "A imaginação se engana quando tenta apreciar a vasta multiplicidade de bens que devem entrar amanhã, a fim de preservar os habitantes de caírem em convulsão de fome, rebelião e pilhagem. (...) Contudo, todos dormem, e seus sonos não são perturbados um único minuto pela perspectiva de tal terrível catástrofe." Pense no que Bastiat escreveu, e o quanto isto era verdade e incrível na Paris de 1850, e como isto é ainda mais verdadeiro e impressionante nas cidades atuais, como São Paulo, por exemplo, onde a quantidade de habitantes e diversificação de bens é infinitamente maior do que na relativamente pequena Paris do século XIX.

A complexidade do sistema de distribuição é assustadora, conforme expôs Bastiat, mas pense também na complexidade do sistema de produção. Por exemplo, a simples, porém brilhante, constatação de Leonard Read em 1958 de que não existe uma única pessoa sequer no mundo capaz de criar um simples lápis. Para produzir um lápis, a primeira coisa necessária a se fazer é conseguir madeira. Para tal, é necessário cortar uma árvore. Para cortar uma árvore, é preciso um machado ou uma serra. Para fazer uma serra, é necessário aço, que por sua vez precisa de ferro, que precisa ser retirado de uma mina. Imagine quanto tempo seria necessário para que uma pessoa pudesse conseguir obter a madeira necessária para fabricar um simples lápis - sem contar todas os outros insumos necessários, como o grafite, a borracha que fica na ponta, o metal que une a borracha com o lápis, e outros insumos que eu sequer sei quais são. Mesmo assim, qualquer um pode ter um lápis pelo preço de algumas moedas, que às vezes sequer prestamos atenção no fundo do bolso. A brilhante retórica de Milton Friedman explicando tal complexidade pode ser vista no vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=jgK11FkBJ0U

O processo de produção de qualquer bem dura alguns meses, e em alguns casos, como por exemplo, para produzir um café, mais de anos. Entretanto, é possível tomar um café na esquina a qualquer momento por um preço irrisório. Alguém terá plantado uma muda de café alguns anos atrás para que você pudesse fazer isto.

O objeto de estudo do economista é este sistema capaz de coordenar de maneira tão complexa tantas ações humanas, que é o sistema de mercado. Enquanto um mercantilista enxerga a profissão de economista como um engenheiro social, o liberal enxerga o economista como um investigador, alguém que tenta compreender o mistério da coordenação e cooperação humana via mercado, que ocorre mesmo sem os participantes perceberem o que está acontecendo.

O fato de não podermos mudar certas leis econômicas como a lei da oferta e da demanda ou a lei da utilidade marginal decrescente não é contraditório com o estudo da disciplina, assim como o fato de um físico não poder mudar a lei da gravidade não é contraditório com o estudo da física. Um economista deve estudar o funcionamento do sistema de mercado para, ao contemplar sua inacreditável complexidade, admitir em um gesto de humildade socrática que ele só sabe que nada sabe, e que tentar planejar instituições sociais humanas é uma pretensão a qual nenhum homem pode ter a ousadia de possuir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário